Indústria de vidro vive crise com a disparada no preço do gás

Preço do gás natural tira competitividade do setor. Em 3 anos, entrada de vidros laminados importados cresceu 1.254% e de vidros temperados 378%.

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Para Lucien Belmonte, superintendente da Abividro, o governo deveria reduzir o preço do gás a exemplo do que fez com as tarifas de energia elétrica. O gás natural representa mais de 20% do custo total de produção.

 

Após anos dourados marcados pelo aumento da eficiência fabril e avanços nos negócios, o setor de vidro vive uma fase de retrocesso, por causa das seguidas altas do preço do gás, fonte energética que representa mais de 20% do custo total de produção. Produtos importados invadem o mercado doméstico e as exportações recuam.

“Infelizmente o preço que pagamos pelo gás é duas a três vezes mais elevado do que os praticados pelos nossos competidores diretos, que são a China, México, Índia e Emirados Árabes. Nos últimos anos, perdemos espaço internamente e em diversos mercados do mundo por causa do real valorizado e da inflação de custos, principalmente da energia”, afirma Lucien Belmonte, superintendente da Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro).

A concorrência acirrada se dá nos mais variados produtos – vidros planos, copos, pratos, vidros aplicados na construção civil e na área automotiva.

Há cerca de oito anos, o Brasil fornecia vidro plano a quase todos os países da América do Sul, mas as vendas entraram em queda até o País se tornar deficitário. A situação é tão preocupante que o governo federal decidiu elevar as alíquotas do Imposto de Importação dos vidro planos de 12% para 25%. A medida foi publicada no Diário Oficial da União no início de outubro e vale por 12 meses, podendo ser renovada. Em apenas três anos, a entrada de vidros laminados importados cresceu 1.254% e a de vidros temperados avançou 378%.

Retorno quase impossível. A partir de 2003, motivadas pelo Programa de Massificação do Uso do Gás do governo federal, as indústrias abandonaram o uso de óleo pesado. Naquela época, o preço do gás era mais baixo, houve confiança do setor na política estabelecida e foram realizados investimentos para adequação ao insumo, dentre eles substituição de máquinas e reformas nos parques.

“O uso do gás foi muito interessante. Hoje o óleo está mais barato, mas não temos como voltar atrás”, diz Belmonte. As fábricas não contam mais com as tubulações específicas e queimadores adequados ao óleo. E grande parte delas está em áreas urbanas e sujeitas às leis ambientais.

O setor faz parte da primeira fase de industrialização do País. Muitas companhias, centenárias, instalaram-se em regiões hoje fortemente adensadas. Como o gás natural é menos poluente, todo processo industrial mudou. “A questão da sustentabilidade faz parte da missão do setor”, afirma o superintendente da Abividro.

Nesse sentido, para Belmonte, o governo deveria reduzir o preço do gás a exemplo do que fez com as tarifas de energia elétrica, que também têm peso elevado no custo total do setor (15%). “Defendemos mais transparência na formulação do preço do gás e uma política para retomar a competitividade da indústria.” Segundo ele, o movimento de ascensão social no Brasil representa uma grande oportunidade para expansão do segmento, que só será aproveitada se houver melhoria na competitividade.

Hoje o mercado brasileiro de vidros planos é maior do que o inglês e pode dobrar em 15 anos. A cadeia vidreira emprega 49 mil trabalhadores. A Vidroporto, fabricante de garrafas e embalagens do município de Porto Ferreira, no interior de São Paulo, luta para absorver os reajustes de preço do gás natural, que atingiram 40% em apenas um ano. “Nossa margem vem diminuindo, perdemos capacidade de investir na ampliação da produção e gerar mais empregos”, comenta Edson Rossi, diretor da empresa. Com uma planta de 24 mil metros quadrados e 300 funcionários, a companhia tem produção anual de cerca de 138 milhões de garrafas – 10% desse mercado no País. A empresa atende principalmente indústrias de bebidas alcoólicas, sucos, refrigerantes e azeites.

Nesse ramo, não existe ainda a concorrência agressiva dos importados porque o custo de logística e desembaraço das embalagens e garrafas não compensa.

Em todo o mundo, esses itens são produzidos no mercado interno. “As embalagens e garrafas vazias são consideradas commodities. Paga-se caro para transportar apenas ar. Mas, se o governo não rever a política do gás, pode ser que fiquemos ainda mais fragilizados e os produtos importados comecem a entrar com força na economia brasileira”, alerta Rossi.

O parque da Vidroporto foi modificado para a utilização do gás natural entre 2006 e 2007. De acordo com Rossi, não é fácil mudar para outra fonte energética. No momento da conversão da matriz, foi assinado um contrato de fornecimento. “Seria muito complicado discutir juridicamente a rescisão”, diz. Além disso, embora o óleo pesado seja viável economicamente, representaria alguns retrocessos. Enquanto o gás vem por dutos e é uma energia limpa e menos poluente, o óleo é transportado pelo modal rodoviário, necessita de estoque e um engenheiro para gerenciá-lo. E ainda suja as instalações.

Fonte: Estadão