Revelando a história dos negativos de vidro

A revelação de fotografias com negativo de vidro em colódio úmido predominou na segunda metade do século XVIII

Negativos de vidro em grande formato
Negativos de vidro em grande formato

O uso da imagem como forma de registro remonta à época do homem das cavernas. Cenas de lutas, de guerras e do cotidiano eram pintadas em cavernas e paredes, tornando possível, atualmente, a compreensão de culturas passadas.

Foi o desejo de registrar com maior realismo que levou ao aparecimento nos séculos XVI e XVII de máquinas de desenhar e retratar. Essas máquinas, tal como a câmera lúcida, utilizavam o princípio da câmera escura, já conhecida desde o século XVI.

A câmera escura consistia em uma caixa com apenas um orifício por onde os raios luminosos penetravam e projetavam a imagem no interior da caixa sobre uma superfície branca e oposta a esse orifício. A imagem resultante era escura e circular e sua nitidez dependia da distância entre o orifício e a superfície branca, da iluminação exterior e, posteriormente, do uso de lentes mais luminosas.

A câmera escura foi, portanto, a origem da câmera fotográfica, que ao longo dos anos foi acrescida de dispositivos que visavam tornar a imagem mais nítida e diminuir o tempo de exposição.

A efemeridade dessas imagens levou muitos pesquisadores ao desafio de tentar fixá-las, e foi associando o conhecimento sobre a câmera escura às experiências de Wedwood, relativas ao cloreto de prata, que o francês Joseph Nicéphore Nièpce (1765-1833) conseguiu fixar sua primeira imagem.

Da correspondência de Nièpce com seu irmão, pode-se depreender que ele já havia obtido uma imagem negativa em 1816, utilizando o mesmo cloreto de prata.

Todavia, a imagem que ficou consagrada como a origem da fotografia só foi obtida por Nièpce em 1826, com a utilização do Betume da Judéia, diluído em óleo mineral. Esse processo recebeu o nome de heliografia, ou seja, escrita pelo sol. O termo fotografia apareceria anos mais tarde com Hércules Florence.[*2]

A partir dessa experiência, Nièpce foi procurado pelo cenógrafo, pintor e inventor do diorama, Louis-Jacques Mandè Daguerre (1787-1851), e então passaram a pesquisar novas formas de obtenção da imagem, sobretudo coloridas. O resultado dessas experiências levou ao daguerreótipo, anunciado em 1839 pela Academia de Ciências da França. Nièpce morrera em 1833.

O invento de Daguerre consistia em uma imagem fixada sobre uma placa de cobre, cuja nitidez dependia da incidência da luz. A obtenção dessa imagem prescindia de um longo tempo de exposição, além de um complexo procedimento de revelação, o que a encarecia demasiadamente. Mas, segundo Gisele Froend, parece que naquele período muitas forças convergiam em um mesmo sentido, daí outras pessoas em outros países terem chegado à descoberta isolada da fotografia ao mesmo tempo que Daguerre, como Hercule Florence (Brasil, 1833), Hippolyte Bayard (França, maio de 1839), Henri Fox-Talbot (Inglaterra, janeiro de 1839), entre outros.

Mas o daguerreótipo foi por muito tempo citado nas bibliografias como o precursor da fotografia. O fato de sua patente ter sido adquirida pelo governo francês possibilitou sua disseminação pelo mundo, embora ainda permanecesse restrito às camadas mais abastadas da sociedade. A popularização efetiva da fotografia só ocorreria com a possibilidade da reprodução, da multiplicabilidade da imagem, pois o daguerreótipo e seus sucessores, o ambrótipo e o ferrótipo, eram imagens únicas, apesar desse último ter conhecido alguma popularidade devido aos avanços tecnológicos, que permitiram a redução do tempo de exposição, além do preço acessível.

Os negativos que permitiriam a reprodução da imagem surgiram tão logo se anunciava na França a descoberta do daguerreótipo. Foi a partir das experiências de Talbot que, em 1840, surgiu o calótipo ou talbótipo, cuja imagem positiva sobre papel provinha de um negativo também em papel.

Talbot chegou à imagem negativa a partir de seus experimentos, aos quais denominou “desenhos fotogênicos”. A partir da sensibilização de um papel com cloreto de prata, dispôs sobre esse papel objetos planos e os expôs à luz solar. Após algumas horas, o contorno desses objetos estava delineado no papel. Essa imagem nada mais era que um negativo, cujo positivo poderia ser obtido com a utilização de outro papel sensibilizado, disposto em contato direto com o negativo e exposto ao sol. A imagem resultante era inversa à primeira.

Ao mesmo tempo em que essa descoberta possibilitou a multiplicação da imagem, sua fragilidade a tornava efêmera. No calótipo, a imagem encontra-se no próprio suporte e, à medida que esse se degrada, ocorre o mesmo com a imagem.

Esses materiais, encontrados atualmente em museus, arquivos, bibliotecas e centros de documentação, apresentam uma imagem bastante esmaecida. Há, todavia, muitas imagens em papel salgado que são equivocadamente consideradas calótipos, mas que podem ter tido sua procedência a partir de um negativo de vidro e não em papel.

Os negativos em papel foram logo substituídos por um suporte mais rígido e transparente (vidro), e uma substância aquosa (colódio), sobre a qual era despejado o cloreto de prata.

O colódio é uma mistura de nitrato de celulose, éter e álcool, cujo uso foi anunciado na revista inglesa The Chemist por Frederick Scott Archer (1813-1857) em março de 1851.

Para a prática da conservação fotográfica, o uso do colódio significou um avanço, uma vez que a imagem negativa já não se encontrava impregnada no suporte de papel, e sim sobre a película fina e transparente formada pelo colódio. Mas havia um fator de inconveniência no uso desse produto, o de ser utilizável apenas enquanto estivesse úmido.

A prata só seria atingida pela luz, bem como pelos reveladores, enquanto os poros do colódio estivessem abertos, o que ocorria apenas enquanto estivesse úmido. Portanto, tanto a tomada da imagem quanto a revelação deveriam ser realizadas em seqüência e com certa rapidez.

O uso do negativo de vidro em colódio úmido e positivo em papel albuminado foi a dobradinha que predominou nas décadas de 50, 60, 70 e 80, nos formatos carte de visit e carte cabinet, até surgir a gelatina em 1871, descoberta por Richard Leach Maddox (1816-1902). Com a gelatina, surgiu o conceito de emulsão, ou seja, os sais de prata ficavam agora dispersos nessa substância, e essa descoberta levou ao desenvolvimento da indústria de papéis fotográficos, buscando sempre torná-los mais resistentes e atraentes ao cliente.

Ainda no século XIX, surgiu a primeira película de suporte plástico, o nitrato de celulose, e, no ano de 1888, George Eastman lançou no mercado sua primeira câmera fotográfica com suporte para negativo em rolo (papel), a Kodak N.º 1.

A partir daí essas tecnologias foram sendo aprimoradas, inclusive os processos coloridos, como o Autochrome (1907), o Kodachrome (1935), o Ektachrome (1942), o Cibachrome (1963) e a fotografia instantânea Polaroid (1963), chegando nos dias atuais à tecnologia digital.

Os processos aqui citados não são os únicos existentes, tendo ocorrido inclusive processos localizados em determinadas regiões. Muitos desses processos são raramente citados e muitas vezes desconhecidos pela maioria dos profissionais de arquivos, uma vez que não há ainda no Brasil formação específica na área de conservação e preservação de fotografias.

Fonte: historica.arquivoestado