Autora da primeira casa de vidro do Brasil, arquiteta entra para história com uma das principais obras panorâmicas do país
Ilustre brasileira nascida na Itália. Fugindo do horror do pós-Guerra, encontrou no Brasil sua “pátria de escolha”. Em seus ousados projetos arquitetônicos, aliou os conhecimentos que trouxe do Velho Mundo à riqueza da nossa cultura popular. Espalhou suas obras em diversos cantos, dedicando a mesma paixão a museus grandiosos e capelinhas miseráveis.
O edifício do Ministério da Educação avançava como um grande navio branco e azul contra o céu. Me senti num país inimaginável, onde tudo era possível. Era 1946 e a italiana Lina Bo Bardi chegava ao Brasil, aportando no Rio de Janeiro.
Achilina Bo nasceu em Roma a 5 de dezembro de 1914. Na faculdade de Arquitetura, era a única mulher. Formada, mudou-se para Milão. Conseguiu emprego no escritório do famoso arquiteto Giò Ponti. De segunda a segunda, das oito da manhã à meia-noite, desenhava desde xícaras e cadeiras até projetos de urbanismo. Salário? Era ela que tinha de pagar ao chefe. A destruição na Europa durante a Segunda Guerra Mundial tornou especialmente difícil viver de arquitetura.
Impossibilitada de exercer a profissão, Lina passou a colaborar com revistas e jornais. Em 1943, um bombardeio destruiu seu escritório. Tornou-se militante do Partido Comunista, frente clandestina de resistência ao fascismo à qual se juntaram artistas e intelectuais italianos. Na época, ela editava a revista Domus, de Ponti. Apaixonou-se pelo marchand Pietro Maria Bardi em uma entrevista para a publicação.
Pátria de Escolha
Pietro e Lina casaram-se em 1946. No mesmo ano, o casal abandonou a Europa vitimada pela guerra e partiu para o Brasil. Aqui, Lina conheceu Burle Marx, Oscar Niemeyer e Lucio Costa, autor do prédio que a impressionara na chegada ao País. Disse a Pietro que queria ficar, que reencontrava aqui as esperanças das noites de guerra, relatou.
A convite do empresário de comunicação Assis Chateaubriand, Pietro se encarregou da criação de um museu em São Paulo. Nascia o Masp, abrigado em quatro andares adaptados por Lina no prédio dos Diários Associados, propriedade de Chateaubriand. A sede principal do museu, projetada por ela na Avenida Paulista, só foi inaugurada em 1968.
Marco da arquitetura mundial, o prédio de concreto e vidro flutua sobre o vão livre de 74 metros sustentado por apenas quatro pilares de oito metros de altura. Ao lado do marido, Lina naturalizou-se brasileira em 1951. Eu não nasci aqui, escolhi este lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, é minha “pátria de escolha”, e eu me sinto cidadã de todas as cidades, desde o Cariri ao Triângulo Mineiro, às cidades do interior e às da fronteira.
Parte importante de sua obra está na Bahia. A convite do governador Juracy Magalhães, construiu o Museu de Arte Moderna de Salvador no fim dos anos 1950. Trinta anos depois, coordenou a restauração do centro histórico de Salvador. A arquiteta buscava na cultura popular inspiração para os projetos. Em meio a tantas realizações grandiosas, elegeu como mais importante de todas a capelinha miserável em Uberlândia, feita sem dinheiro, com os padres franciscanos e as prostitutas.
Apesar de considerar São Paulo “confusa, sem lugar para passear”, estabeleceu-se na cidade. Concluiu em 1951 sua moradia, a Casa de Vidro, construção imponente com fachadas de cristal e piso de pastilhas de vidro. Primeira casa construída no bairro do Morumbi, o local é hoje uma reserva tombada com 8 mil metros quadrados de Mata Atlântica.
Nas décadas seguintes, mais projetos arrojados, como o Sesc Pompeia (1977), baseado em uma antiga fábrica; e a sede da Prefeitura de São Paulo – ainda em construção quando Lina faleceu, em 20 de março de 1992, vítima de embolia pulmonar. Até os últimos anos de vida, não se limitou à arquitetura: atuou como designer de móveis, joias e objetos; artista plástica; cenógrafa; curadora e organizadora de exposições.
Todas as suas poucas obras e desenhos são obras-primas, desenvolvidas ao lado de uma ampla atividade intelectual, reflexões e pesquisas sobre o Brasil, tão notáveis como a sua arquitetura, abrangendo gráfica, teatro, cinema, montagens de exposições, entrevistas, seminários, conferências e, às vezes, sua simples presença, escreveu o arquiteto Joaquim Guedes. O Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, fundado em 1990 e sediado na Casa de Vidro, dedica-se à difusão da cultura e das artes brasileiras no exterior.
Em carta de 1993 para a instituição, Frei Betto escreveu: Todo artista é um clone de Deus. Lina trazia em si essa fagulha divina que faz da criatura criador, e transforma a arte na única linguagem capaz de superar os limites do tempo e do espaço.
Saiba mais
Lina Bo Bardi – Sutis substâncias da arquitetura, de Olivia de Oliveira (Romano Guerra, 2006).
Visite o site: www.institutobardi.com.br
Fonte: almanaquebrasil