Casa transparente com pé na areia

Projeto explora o máximo de continuidade visual entre arquitetura e paisagem com seus grandes painéis de vidro

Casa transparente com pé na areia

Há quatro formas de habitar o condomínio Laranjeiras, situado em Paraty, no litoral sul do Rio de Janeiro, todas elas determinadas pela escolha dos vizinhos, que podem ser a marina, a mata, o campo de golfe ou o mar.

Com acesso direto e privativo à praia. É assim que vivem os proprietários da casa detalhada nas páginas a seguir: um casal de empresários que sonhava com dias de puro dolce far niente à beira-mar e que hoje desfruta de todo o conforto de um imóvel de 950 m² e três suítes, assinado pela arquiteta Fernanda Marques.

“Eles queriam esquecer da vida. Pé na areia, mesmo”, conta Fernanda, que, atendendo à determinação expressa de seus clientes, procurou conceber uma residência de veraneio “praticamente transparente”. Ou, ao menos, o mais aberta possível para a impactante paisagem que se abre para o lote – de um lado o mar, e do outro, a Serra da Bocaina, com sua vegetação nativa para lá de exuberante.

Mas, para se transformar em realidade, o tão sonhado refúgio teve de ser ajustado às rigorosas regras de construção local. Como ponto de partida, deveria se constituir obrigatoriamente em um volume único. No Laranjeiras, são proibidos “anexos em descontinuidade com a principal área coberta”. Em outras palavras: nada de edículas, guaritas ou salões de festa à beira-mar ou da piscina.

Ainda segundo as normas, a altura máxima do imóvel não deve ultrapassar 8 metros. Pode até contar com dois pavimentos, desde que sua área construtiva não supere 40% da superfície total do lote. “Procurei encarar as exigências mais como um estímulo do que como uma limitação”, conta Fernanda, que anteviu no convite uma oportunidade de exercitar o que ela sabe fazer de melhor.

Primeiro, proporcionar o máximo de continuidade visual entre arquitetura e paisagem. “Para permitir uma visualização ainda maior do morro adjacente, optei pela construção de um terraço. Além disso, dotei a casa de caixilhos tão grandes, que praticamente eliminaram a necessidade de paredes”, explica ela. Por fim, demarcando o terreno, muros de no máximo 30 centímetros.

Menina dos olhos da arquiteta, o enorme living, amplo e bem iluminado, acabou por se converter no ponto focal de toda a construção. Em cada detalhe, a manutenção de um estilo depurado, que prioriza a alternância entre cheios e vazios, o uso pontual da cor, além da radical opção pela simplicidade.

Pensado para receber luz na maior parte do dia, e de frente para o mar, o ambiente conta com poucos e bons móveis. Obras de artistas como Claudia Jaguaribe e Beatriz Milhazes, além de design italiano de primeira. Nada, porém, que impeça uma convivência saudável com alguns anônimos banquinhos de madeira, peças clássicas do artesanato local.

“De imediato pensei em muita madeira. Queria flertar com o rústico, mas sem parecer óbvia”, afirma Fernanda, que aponta a escolha dos móveis e acabamentos como seus principais desafios na montagem dos interiores. Afinal, segundo ela, era preciso selecionar um acervo atual, mas que, nem por isso, entrasse em rota de colisão direta com a atmosfera praiana tão ao gosto dos donos da casa.

“É sempre delicado se trabalhar no limite de duas opções estéticas; transitar entre uma casa de pescadores e um resort”, diz Fernanda, que, sabiamente, procurou evitar possíveis confrontos, qualquer ruído capaz de quebrar a sensação de fluidez que emana do lugar.

Não por acaso, madeira, aço, vidro e mármore surgem como os únicos materiais de todo projeto. Com pequenas variações de acabamento, aparecem, por exemplo, nas suítes, onde a madeira flerta ora com a palha, ora com a laca. Ou o mármore travertino, presente nos pisos da sala e dos banhos.

E, para quem não acreditava que praia e design pudessem ocupar o mesmo lugar no espaço, duas criações foram escaladas para diluir toda e qualquer dúvida: a mesa Canesta, de azulejos, com pintura tribal estampada, obra da espanhola Patricia Urquiola, e o poético pendente Lágrimas de Pescador, do alemão Ingo Maurer, que reproduz em LEDs e cristais o desenho de uma rede recém-alçada do mar em um perfeito dia de sol.

Vista geral da casa a partir da piscina, com os grandes volumes de vidro e madeira

Considerado por muitos o melhor condomínio privado do litoral brasileiro, o Laranjeiras, em Paraty, foi demarcado no fim dos anos 70. Com área total superior a mil hectares, 90% dos quais situados na Reserva Ecológica da Joatinga – e, portanto, em plena Mata Atlântica – conta com quatro praias ( Vermelha, Laranjeiras, Sobrado e Fazenda ), além de diversas cachoeiras. Sua excepcional geografia, porém, não pode ser apontada como o único fator responsável pelo grande sucesso do empreendimento.

A diversificada infraestrutura oferece atrativos adicionais, como marina, campo de golfe e clube. Formado por 292 lotes, com áreas que variam entre 900 m2 e 2.000 m2 cada, o condomínio mantém, desde a sua fundação, um rígido padrão normativo, com o objetivo de harmonizar os imóveis ao seu privilegiado entorno.

Para quem pretende construir, por exemplo, as exigências prescrevem desde altura e dimensões máximas das construções até o tipo de telhas nas coberturas – apenas as cerâmicas são aceitas. Entretanto, no momento, não existem mais terrenos vazios disponíveis por lá.

Na sala de estar, grandes caixilhos e móveis de cores claras. A construção à beira-mar praticamente dispensou a presença de paredes

No living, como no resto da casa, predominam a madeira, o vidro e o mármore travertino

Sobre a mesa da sala de jantar, o lustre Lágrimas de Pescador, de Ingo Maurer

A escada de madeira leva ao pavimento dos quartos, circundado por um amplo terraço. As paredes de vidro trazem o jardim para dentro da casa

Toda a transparência e amplitude que vidros e espelhos conferem ao banheiro de uma das suítes

Quarto de hóspedes

Suíte do casal aberta para o mar

O home theater revestido de madeira

Vista da casa ao anoitecer, com a iluminação destacando o deck e a piscina

Fonte: Estadão