Setor dominado há anos por duas companhias ganha dois novos fabricantes, garantindo o aumento da produção e fornecimento de vidro em condições de maior concorrência e qualidade.
Com o advento das Olimpíadas e da Copa do Mundo no Brasil, aliado a um crescimento da demanda interna por vidros planos no País, vinda principalmente dos setores automobilístico e de construção civil, novos fabricantes têm sido atraídos pelo mercado nacional, enquanto os que já atuam, têm lançado projetos de ampliação da capacidade produtiva.
Até agora, o que era um espaço dominado por duas multinacionais, passará a quatro. As novas entrantes aceleram os planos e as empresas tradicionais defendem suas posições. Todas com a expectativa de que a demanda no país continuará em alta nos próximos anos.
O grupo japonês AGC, também conhecido como Asahi Glass, é um dos principais fornecedores no mundo, nome reconhecido em vidro para construção civil, espelhos e vidros para automóveis. Está chegando atrasado no Brasil, fato admitido pelo presidente do grupo no país, Davide Cappellino, mas em tempo de incomodar os concorrentes que aqui se instalaram há um longo tempo.
Em entrevista ao Valor, o executivo disse, todavia, que a AGC está preparada para entrar com força no país. A fábrica, que está em fase final de montagem em Guaratinguetá (SP), com capacidade de produzir 600 toneladas de vidro por dia, vai iniciar operação em julho. “Vamos contar com tecnologia de ponta”, afirmou Cappellino. Além da fabricação de vidros planos e conjuntos automotivos, a companhia planeja adiantar a produção de espelhos para agosto ou, no máximo, setembro, informou o executivo. “É uma linha muito importante para nós, temos um produto que é referência no mundo”. Antes, o planejamento era trazer a fabricação de espelhos entre 2014 e 2015.
O executivo não forneceu números do investimento adicional para a instalação da linha de espelhos. Ele afirmou, contudo, que o desembolso na primeira fase de instalação da fábrica chega a R$ 1 bilhão (US$ 500 milhões). No anúncio inicial feito pelo grupo, a estimativa de investimento para a primeira fase da unidade era de US$ 470 milhões.
No ano passado, o presidente global da AGC, Kazuhiko Ishimura, já havia informado a intenção de fazer uma segunda rodada de investimentos, duplicando a capacidade da fábrica. Essa segunda rodada, porém, não tem data para acontecer.
A principal aposta da AGC é o renome da marca, além de buscar trazer qualidade no atendimento ao cliente, alega a empresa. Cappellino citou um método de embalagem do vidro que a empresa trará da Europa, feito “por cavaletes”, no termo técnico, que pode cortar pela metade os custos logísticos do cliente referentes ao recebimento do produto.
A outra novata no setor é a Companhia Brasileira de Vidros Planos (CBVP), controlada do grupo pernambucano Cornélio Brennand e comandada por Paulo Drummond. A expectativa do mercado é grande em relação a CBVP. Drummond tem fama de experiente no ramo, pois atuava com a Companhia Industrial de Vidros (CIV), especializada em vidros para embalagens (de bebidas, remédios e alimentos), e pela habilidade como vendedor. Vendeu a CIV em 2010 para a norte-americana Owens-Illinois por cerca de R$ 600 milhões.
Drummond conta ainda com o peso do nome Brennand. O grupo pernambucano já atua nos setores de empreendimentos imobiliários e de geração de energia, está entrando no mercado de vidro e também na fabricação de cimento, em parceria com a Queiroz Galvão. Por outro lado, será um desafio entrar em um mercado que, em todo o mundo, é bastante fechado entre poucas fabricantes tradicionais – AGC, Saint-Gobain, Guardian e Pilkington.
A fábrica da CBVP está sendo erguida em Goiana (PE), com capacidade prevista de 900 toneladas ao dia e, começará a produzir, no mais tardar, em agosto, disse Drummond. A empresa já havia anunciado também o plano de adiantar a linha de fabricação de espelhos. Os investimentos nessa primeira unidade já ultrapassam R$ 800 milhões.
O grupo planeja, ainda, montar outra fábrica, também em Goiana, de vidros para carros, que levará o nome de Companhia Brasileira de Vidros Automotivos (CBVA). Pretende também erguer uma segunda unidade de vidros planos, a ser instalada no Sudeste.
O mercado de vidros para automóveis é, contudo, ainda mais fechado para novas fabricantes e o planejamento, nesse caso, é cauteloso. Drummond está em conversas com duas empresas internacionais a fim de encontrar um parceiro tecnológico e societário para esse segmento. “Nossa intenção é ter essa unidade operando até o fim de 2014, mas por enquanto é intenção. Depende dessa parceria”. A unidade no Sudeste é um plano mais distante, para 2015 ou 2016, informou.
O ritmo de investimentos é puxado por uma expectativa de crescimento no uso do vidro no Brasil. Segundo estimativas da Associação Brasileira da Indústria de Vidro (Abividro), nos últimos quatro anos, o consumo brasileiro passou de 6 para 8 quilos por ano por habitante. É um ritmo bom, mas ainda pequeno se comparado a Estados Unidos, onde esse índice passa de 20, e Europa, onde, em alguns países como a Alemanha, passa de 30. A Abividro estima que o mercado brasileiro tenha potencial para chegar a 14 quilos na próxima década. Expectativa de alta que é compartilhada pelas empresas. “Hoje vemos um predomínio cada vez maior de vidro na construção civil e acho que vamos entrar em um ritmo de aplicação do vidro alucinante”, disse Drummond, da CBVP.
As duas empresas consolidadas no Brasil há mais de duas décadas, a americana Guardian e a Cebrace (joint-venture da francesa Saint-Gobain com a Pilkington, controlada pelo grupo japonês NSG), não pretendem ficar atrás das novatas.
A Cebrace é a maior em capacidade instalada no país: 3,6 mil toneladas de vidro por dia, com unidades em Jacareí e Caçapava (SP) e Barra Velha (SC). No fim do ano passado, a empresa investiu US$ 250 milhões para abrir uma nova linha em Jacareí e aumentar a produção em 900 toneladas por dia.
A Guardian, por sua vez, havia expandido suas operações em 2010. A empresa investiu, à época, R$ 375 milhões para abrir a unidade de Tatuí (SP) e em ampliações da fábrica de Porto Real (RJ).
Desde então, os investimentos por aqui haviam esfriado. No fim do ano passado, contudo, a empresa passou a ser controlada globalmente pelos irmãos Koch, grupo industrial americano que fatura mais de US$ 100 bilhões por ano e que comprou 44% da Guardian. Os Koch indicaram o executivo Ron Vaupel para a presidência da Guardian. Após assumir o cargo, no início do ano, Vaupel escolheu justamente o Brasil como primeiro destino internacional a ser visitado.
“O Brasil é um país cheio de oportunidades”, disse Vaupel. O executivo não forneceu detalhes sobre futuros planos no país, mas afirmou que a empresa está atenta a possibilidades de aquisições na região.
Vidro importado
As duas empresas novatas na fabricação de vidro no país irão, ao menos no início, conquistar um espaço que vinha sendo preenchido pelo produto importado. A avaliação é comum entre empresários do setor e também da Associação Brasileira da Indústria de Vidro (Abividro).
Segundo Lucien Belmonte, presidente da Abividro, a alta da tarifa de importação, implementada no fim do ano passado, vai ajudar a Companhia Brasileira de Vidros Planos (CBVP) e a japonesa AGC a atenderem aos clientes que antes compravam, principalmente, da China, do Oriente Médio e do México. A tarifa para importação de vidros planos passou de 10% para 20%, atendendo a uma reivindicação importante da indústria vidreira.
No ano passado, o consumo de vidro plano no Brasil foi de cerca de 500 mil toneladas, segundo estimativas da associação. Desse total, cerca de 35% foi atendido por importações, afirma Belmonte. Com a entrada das duas novas empresas, que concorrerão com a Cebrace e com a Guardian, ele espera que as importações caiam ao patamar de 10% até o fim deste ano. A tarifa, avalia, terá papel fundamental nessa substituição de importações.
“Perdemos competitividade no Brasil não por desvantagem tecnológica, pois nossas fábricas são top no mundo, mas por causa do custo Brasil”, diz Belmonte. O executivo reafirma a reclamação unânime no setor contra o alto preço do gás natural, que encarece muito a fabricação do vidro. “Estamos, sem dúvida, entre os países com gás mais caro do mundo”. Ele afirma que o governo fala em medidas para baixar o custo do gás, mas que ainda não foram dados passos concretos nessa direção. Para efeitos de comparação, o gás natural chega a custar R$ 14 por milhão de BTU, enquanto nos Estados Unidos esse preço parte de US$ 2,50.
O presidente da CBVP, Paulo Drummond, mostra-se mais otimista. Ele afirma que o governo já demonstrou intenção de melhorar a competitividade brasileira, com a queda de juros e a redução dos preços de energia. “O gás é sim muito caro no Brasil, mas vemos um grande programa de prospecção da Petrobras que deve trazer os preços para baixo”.
Davide Cappellino, presidente da AGC no Brasil, diz estar um pouco mais receoso quanto à capacidade do país de melhorar sua competitividade. Ele, no entanto, também vê a capacidade de tomar espaço dos importados como estratégia fundamental. “O desenvolvimento do setor vidreiro no Brasil vai depender desse diferencial do custo de produção”.
Fonte: Valor Econômico