Se hoje removêssemos todo o vidro de nosso planeta então espelhos, lentes, copos e garrafas iriam desaparecer
Também as fibras ópticas e com elas nossas telecomunicações ultra-rápidas. É verdade que em todas essas áreas existem materiais alternativos, entretanto o vidro é insubstituível como a nossa mais importante proteção contra o vento, chuva, calor e frio e é portanto a chave para nossos trens, aviões, automóveis e, é claro, edifícios. Não há nada, nem de longe, tão bom como vidro para estas tarefas. Mesmo o mais forte e transparente dos acrílicos é macio demais para agüentar a erosão do vento e propenso à degradação pela radiação ultravioleta.
É por isso que construímos elevados templos de vidro em todas grandes cidades? Para agradar a este frio, frágil, estranho e pesado material que é o escudo mais importante da humanidade? Não, uma análise como esta seria muito literal e o impacto do vidro em nossa cultura é muito mais sutil.
O vidro foi descoberto no início de nossa civilização. Por milhares de anos foi altamente considerado por suas virtudes estéticas, porém desde o início as formulações tiveram pouca importância, tendo ele sido usado como jóias ou em poucas outras aplicações. Na China e no oriente, as grandes habilidades dos artesões em cerâmica praticamente ofuscavam seus conhecimentos de vidros e desta maneira ele foi ignorado. Porem no ocidente, talvez afortunadamente, ocorreu o oposto e o vidro transformou-se de gema falsa, friável e quebradiça em janelas fortes, brilhantes e lustres magníficos. O material se tornou altamente valorizado e no Renascimento a comunidade artesã atingiu um nível de sofisticação suficiente para fazer um telescópio para Galileu vislumbrar o céu.
Porem uma urgência estética promoveu a maior mudança no pensamento humano em mil anos. Mais tarde lentes de vidro mudaram nossa visão de espaço interior com a invenção do microscópio e muitos outros instrumentos científicos. A transparência e inércia do vidro conduziram ao desenvolvimento da química por permitir que mudanças de cores de reações químicas pudessem ser monitoradas assim como a observação da evolução de gases. Desta maneira o vidro se tornou material essencial em laboratórios químicos. Físicos usavam vidro na forma de prismas, lentes e espelhos para entender a óptica e se interrogar sobre a natureza da luz e fenômenos quânticos. Mais tarde foi instrumento na invenção da fotografia, televisão e filme. A imagem de um mago usando vidro na forma de uma bola de cristal para ver o futuro sumarisa a ativa influência deste material na nossa cultura visual.
Porem o vidro fez mais do que nos proteger, nos inspirar, estender nossos sentidos e transformar a ciência. Ele transformou a cerveja.
Na Boemia nos anos 1840, se tornou possível a produção em massa de copos de vidro. Até então a maioria das pessoas tinha que beber de materiais opacos como madeira, metal ou cerâmica. Como resultado, pela primeira vez, bebedores de cerveja tomavam consciência da escura opacidade da cerveja. Antes disto eles se importavam apenas com o sabor, mas então uma cerveja nova, clara e translúcida, começa a substituir as cervejas pretas e marrons que existiam anteriormente. A nova cerveja tinha menos sabor que a antiga mas se aparentava mais bonita. Ela foi chamada de lager que é a família de cerveja clara que tomamos até hoje. Ironicamente este tipo de cerveja é atualmente comercializado em latas onde sua clareza é escondida. Outra ironia é que o tipo de cerveja que quase foi extinta e chamada ale, utilizou as virtudes estéticas do vidro para reverter sua sorte criando a imagem de um líquido preto com uma contrastante espuma branca.
Este tipo de intrigantes inter-relações entre a estética e as propriedades físicas são comuns na história dos materiais e a chave para compreender o antigo jogo de materiais da “pedra, tesoura e papel”. A pedra ganha da tesoura devido a sua superior dureza, a tesoura ganha do papel devido a sua superior resistência, mas o papel ganha da pedra pelo seu poder cultural. É estranho que o vidro não tenha sido incluído neste jogo, mas é certamente porque ele ganharia de todos.
Mark Miodowik
King’s College London
Publicado em Materialstoday de setembro de 2005
Traduzido por Mauro Akerman
Fonte: Vidro Amigo do Homem e da Natureza – ABIVIDRO