Um pavilhão monocromático com atmosfera densa

Exposto no Hyde Park, em Londres, o pavilhão idealizado pelo francês Nouvel pretendia surpreender e intrigar quem passasse pelo parque

Pavilhão monocromático com atmosfera densa
O painel inclinado é, segundo Jean Nouvel, “enormes óculos de sol”

O décimo pavilhão construído pela Galeria Serpentine, de Londres, foi desenhado pelo francês Jean Nouvel. O espaço integra um bemsucedido programa de exposições de arquitetura, o Serpentine Summer Pavilion, que todo ano convida um arquiteto de renome internacional para projetar uma estrutura temporária, montada no gramado em frente da galeria, no Hyde Park.

A proposta da Serpentine é criar uma exposição em que a própria arquitetura é exibida em toda a sua multissensorialidade e multidisciplinaridade, num espaço construído tangível, palpável e sensível. A ideia de erguer anualmente um pavilhão de verão temporário e desmontável, com aproximadamente 500 metros quadrados, foi da artista plástica Julia Peyton-Jones. Em dez anos de existência, o programa Serpentine Summer Pavilion, único no mundo, tornou-se uma espécie de deleite arquitetônico, para profissionais da área e para o público em geral.

O pavilhão de 2010, desenhado por Jean Nouvel, impõe-se na paisagem do Hyde Park pelo impacto visual, como uma escultural sucessão de planos e volumes vermelhos. À primeira vista, é uma elegante composição de superfícies transparentes, translúcidas, reflexivas e opacas – verdadeira sinfonia de materiais – que contrastam com a estrutura metálica, também vermelha, e a grande parede inclinada, de policarbonato alveolar, que sobe em balanço 12 metros acima do nível do gramado. “Uns enormes óculos de sol”, como a define o arquiteto. ”Minha intenção foi criar uma estrutura que causasse surpresa, que intrigasse as pessoas que passam pelo parque – o que é isto: um circo, um café? – e as motivasse a conhecer o pavilhão mais de perto.”

Costumeiro frequentador do Jardim de Luxemburgo, em Paris, onde passeava com seu amigo o filósofo Jean Baudrillard, falecido há três anos, Nouvel conta ser também um grande apreciador do parque londrino. “Gosto muito do Hyde Park. Quando me convidaram para fazer o pavilhão, fui passear por seu gramado, observei as pessoas e o que elas faziam. A ideia era criar um ambiente agradável para sentar, tomar um café, jogar xadrez, pingue-pongue, fazer um piquenique, usufruir do espaço”, diz o arquiteto. Um olhar mais atento – indispensável para apreciar o trabalho de Nouvel, sempre muito conceitual e enigmático – revela, entretanto, uma complexa relação entre o pavilhão, o parque e as pessoas que o frequentam.

A estrutura projetada pelo francês funciona em camadas. Passa-se do parque ao interior do pavilhão numa sucessão de camadas que respondem ao programa, criando áreas distintas, embora contíguas, numa habilidosa manipulação dos ambientes através da luz e do grau de intimidade de cada espaço. As paredes de vidro, policarbonato alveolar, amplos cortinados e toldos retráteis criam um versátil sistema de fechamento que permite ampla flexibilidade de usos e diversas configurações para a relação entre interior e exterior.

Pavilhão monocromático com atmosfera densa
O projeto pretende provocar surpresa e intrigar quem passa pelo parque

O entorno da estrutura funciona como sua camada mais externa, ao ar livre. É onde ficam as mesas de pingue-pongue, redes e colchonetes para piquenique. Objetos vermelhos pontuam o gramado ao redor do pavilhão, criando ali uma espécie de microuniverso que sintetiza a vida do parque e convida o passante a se aproximar e explorar o prédio. Alguns passos a mais rumo à estrutura e penetra-se na segunda camada, já protegida pela cobertura de toldos retráteis e por um enorme cortinado vermelho. É uma área de múltiplo uso, que abriga o café durante o dia e à noite se transforma em auditório para as Park Nights, programação de verão que inclui uma série de palestras, exibição de filmes, concertos etc.

Continuando na direção do interior da estrutura, chega-se a uma área onde foram colocados assentos semienterrados, mesas de bar, xadrez e gamão. É a camada mais interna do pavilhão, onde a luz vermelha, filtrada pelos toldos que fazem o fechamento, preenche todo o espaço. A atmosfera lembra os clubes e pubs londrinos. O parque? Já não lembramos mais dele. Dentro do pavilhão de Jean Nouvel, tudo é vermelho: piso, teto, móveis. O sol de verão sobre a cobertura retrátil inunda de luz encarnada o interior, a ponto de causar incômodo ao olhar.

Por que essa cor? “A inspiração veio daqueles momentos em que o sol de verão atinge o olho em cheio, você pisca e o mundo se dissolve em vermelho”, responde Nouvel. Segundo ele, a cor evoca também os tradicionais ônibus de dois andares de Londres, as antigas cabines de telefone público, as caixas coletoras de correspondência dos correios – estruturas metálicas ícones da capital inglesa. Mas Nouvel parece ir além da mera citação. O vermelho anula o parque, como que sequestra o visitante e o envolve em uma atmosfera própria e distinta. Essa é a relação do pavilhão com seu entorno, uma relação de separação, quase exclusão. A realidade se modifica quando se está sob o domínio do vermelho no interior do prédio. Ali, o verde não existe mais.

No epicentro do pavilhão, envolto por intensa luz vermelha, o visitante sente-se levado, como que por uma máquina de teletransporte da ficção científica, para outra realidade: a do planeta Jean Nouvel, um astro monocromático, de atmosfera densa, multifacetada. Do ponto de partida, o parque, veem-se apenas imagens descontextualizadas, distorcidas, refletidas, transformadas em seu matiz pelo vermelho que ali reina absoluto.

Nouvel parece brincar com a realidade como a conhecemos. Dentro do cubo de vidro – na extremidade oposta à parede inclinada – as palavras “green” (verde) e “sky” (céu), recortadas na película vermelha do vidro laminado, permitem a passagem da imagem real do parque e do céu. Uma brincadeira, uma ironia.

“É sempre um prazer trabalhar com um programa despretensioso como este. Um pavilhão de verão não tem maiores consequências – o que ficam são as impressões, ecos de emoção, nada mais. Dessa forma, o arquiteto se vê livre para ser o artista”, afirma Nouvel. “Este não é um exercício perfeito de arquitetura: é um prédio que nasce de um sonho, que nos permite algumas pequenas sensações felizes. É arquitetura de férias!”, conclui.

Pavilhão monocromático com atmosfera densa
O pavilhão impõe-se na paisagem do Hyde Park como uma escultural sucessão de planos e volumes vermelhos

Pavilhão monocromático com atmosfera densa
Detalhe do cube de vidro laminado com película vermelha

Pavilhão monocromático com atmosfera densa
Proteção da cobertura de toldos retráteis e cortinado vermelho

Pavilhão monocromático com atmosfera densa
As palavras “green” e “sky”, recortadas na película vermelha do vidro laminado, permitem a passagem da imagem exterior

Pavilhão monocromático com atmosfera densa
A camada mais externa do pavilhão é ao ar livre, onde ficam mesas de pingue‑pongue, redes e colchonetes para piquenique e objetos vermelhos

Fonte: PROJETODESIGN